Um Leitão Recheado: Premio no Cinquilho em Barão de Cotegipe

  



O jogo de bocha cinquilho, ou somente cinquilho é dos mais antigos e tradicionais jogos campeiros do Rio Grande do Sul. Trazido por imigrantes se espalhou pelo estado e sempre marcava presença nas festas de capelas das cidades do interior gaúcho. Na virada da década de 1960, o jogo de bocha cinquilho, apesar de não desfrutar da mesma popularidade que nos anos anteriores, ainda resistia como uma tradição em algumas capelas de Barão de Cotegipe. Mesmo com sua presença mais discreta, o cinquilho continuava a ser uma das atrações em determinadas localidades.
Em um domingo típico, por volta das dez e meia da manhã, como parte de sua rotina costumeira, o cônego Pollon fez questão de me buscar no hospital para mais uma visita a uma comunidade do interior do município. Esses momentos, permeados pela simplicidade do jogo e pelas visitas às capelas, proporcionavam um elo entre o passado e o presente, preservando assim a rica herança cultural da região. Naquela ocasião, o motorista da caminhonete do padre era outro senhor, uma figura frequente nas viagens pastorais ao lado do cônego Pollon. Eu, recém-chegado a Cotegipe havia algumas semanas, ainda não havia tido a oportunidade de conhecê-lo.
A presença desse novo condutor adicionou um elemento de novidade à jornada, e eu aguardava com curiosidade as histórias que poderiam surgir durante o percurso rumo à comunidade do interior. A cada semana, essas experiências contribuíam para a construção do meu entendimento sobre a comunidade e suas tradições, revelando as nuances da vida naquela encantadora região do Rio Grande do Sul. O motorista da caminhonete naquele dia era Emílio De Rè, um respeitado comerciante e antigo morador da cidade. Sua residência ficava estrategicamente localizada na avenida principal, abrigando também seu estabelecimento comercial. Juntos, nós três chegamos ao local da missa, e a comunidade já aguardava ansiosamente a chegada do padre nas imediações da acolhedora capela. A presença de Emílio adicionou uma pitada de familiaridade e conexão local à nossa pequena comitiva, revelando a interconexão entre a vida cotidiana, o comércio local e a prática da fé naquela comunidade em particular. Curiosamente, a missa tardou um pouco para iniciar, proporcionando uma oportunidade única para mim e Emílio. Alguns membros da diretoria da capela nos desafiaram para uma partida rápida de cinquilho, oferecendo como prêmio um suculento leitão recheado ao vencedor. Para mim, aquela era uma novidade, já que nunca tinha ouvido falar desse jogo. Até então, minha experiência se limitava ao jogo de bochas tradicional, bastante difundido em Curitiba na época.
Enquanto aguardávamos o início da celebração, o convite para participar do cinquilho trouxe uma dose de animação e camaradagem ao ambiente, mostrando como as tradições locais se entrelaçavam com a vida cotidiana daquela comunidade. O apetitoso prêmio adicionou um toque de competição amigável ao evento, tornando-o memorável para todos os presentes. Após adquirirmos as fichas para participar, dirigimo-nos à cancha ao ar livre. O cinquilho, conforme me ensinaram, era jogado em duplas, com cada jogador lançando oito bolas no total, divididas em dois lances de quatro bolas. A dinâmica do jogo consistia em arremessar uma bola visando acertar uma base de madeira sólida e triangular, situada a vários metros de distância. O desafio principal era tentar retirar as quatro bolas estrategicamente acomodadas em cavidades na parte superior dessa base triangular de setenta e cinco centímetros de cada lado. Cada ângulo da base triangular abrigava uma bola grande, enquanto uma bola de tamanho menor ocupava o centro. Cada uma dessas bolas possuía um valor específico, e a pontuação era determinada pelo acerto e o valor das bolas derrubadas no decorrer do jogo. A dupla vencedora seria aquela que acumulasse o maior número de pontos ao final das rodadas. Essa descrição detalhada revela a complexidade e a habilidade necessárias para se destacar no cinquilho, transformando um simples passatempo em uma competição estratégica e 
envolvente.
Desde a primeira rodada, ficou evidente que o Emílio era verdadeiramente um especialista no jogo. Durante sua vez de jogar, ele alcançou a proeza de marcar todos os pontos possíveis, uma tarefa notoriamente difícil. Enquanto isso, mesmo como novato, tive a sorte de realizar uma pontuação considerável.
Surpreendentemente, na segunda rodada, Emílio repetiu sua notável façanha da primeira, conquistando mais uma vez a pontuação máxima. Sua habilidade e destreza no cinquilho eram notáveis, revelando excelente pontaria e um conhecimento profundo do jogo. 
Ao redor da cancha, formou-se um numeroso grupo de moradores, todos ávidos por apreciar as jogadas das duplas. O presidente da comunidade, que nos desafiara, viu-se em uma situação complicada: o desejado prêmio, que esperavam converter em fundos valiosos para a capela, havia sido "perdido" logo na primeira rodada. Tanto eu quanto Emílio percebemos rapidamente a delicadeza da situação e decidimos abrir mão do premio e prolongar a disputa pelo leitão até o final da festa, proporcionando assim a oportunidade de arrecadar mais fundos para a comunidade.
Até o momento de nosso retorno, por volta das 16horas, nenhuma outra dupla havia conseguido igualar os pontos que conquistamos, e parecia improvável que alguém o fizesse até o encerramento da festa. Diante desse cenário, a diretoria da capela, por decisão unânime, optou por encerrar a competição de cinquilho. Mesmo diante de nossos protestos, proclamaram nossa dupla como vencedora indiscutível do torneio. Com o Emílio radiante, retornamos para casa com o grandioso leitão recheado, símbolo da nossa conquista incontestável.

Nenhum comentário:

Postar um comentário