Quem não é Visto não é Lembrado

 


Nas décadas de 1940 e 1950, o cinema se destacava como a forma mais popular de entretenimento global, cativando pessoas de todas as idades e classes sociais. Na tranquila e progressista cidade de Erechim, não era diferente; os dois cinemas locais atraíam um grande número de espectadores, especialmente nas diversas sessões dos domingos.
Conta-se que, em situações urgentes, os hospitais de Erechim recorriam aos cinemas da cidade em busca dos médicos presentes. Profissionais que, porventura, estivessem desfrutando de alguma película, eram convocados pelo nome a qualquer momento, mesmo durante a projeção. Uma luz suave se acendia nas laterais da sala, o som do filme era interrompido, e um locutor, com uma voz grave e pausada, anunciava pelo alto-falante o nome do médico requisitado. Este, ao ouvir o chamado, levantava-se rapidamente de sua poltrona, cruzava o corredor a passos rápidos, sempre sob o olhar atento e admirado dos espectadores. Estes imaginavam quem necessitava dos cuidados do médico, uma vez que, naquela época, todos se conheciam. Após resolver a emergência que originou o chamado, frequentemente o médico conseguia retornar à sua poltrona ainda na mesma sessão e continuar a desfrutar do filme. Em algumas ocasiões, porém, ele não conseguia retornar, deixando seus familiares, ao final da sessão, cercados por amigos e conhecidos curiosos, ávidos por detalhes sobre o ocorrido e quem havia solicitado o médico. Em certas situações, o mesmo profissional podia ser chamado mais de uma vez durante a mesma sessão, intensificando a curiosidade dos espectadores na sala, que passavam a admirar ainda mais o prestígio e a agitada vida do médico.
Quando cheguei à região em setembro de 1969, logo fui informado, por um amigo erechinense, de uma história hilária e peculiar, que mais parecia uma lenda do que realidade. Essa narrativa já circulava há muito tempo, especialmente entre os profissionais de saúde da cidade de Erechim e região, desde o início da década de 1950.
Diziam que dois notáveis colegas, já falecidos e renomados cirurgiões, proprietários de consultórios movimentados, rivalizavam entre si nessa prática, utilizando-a para se promoverem e ampliarem suas clientelas. Embora agissem separadamente, sem conhecimento um do outro, seus planos eram surpreendentemente semelhantes. Na hora combinada o profissional estaria no cinema e um ou uma cúmplice, fingindo ser um familiar de um paciente fictício, cujo nome era inventado na hora, telefonava para o cinema solicitando a presença urgente do médico no hospital, alegando que estaria levando um paciente gravemente doente. Outras vezes, simulavam uma chamada como se fosse de um dos hospitais locais. Esse teatro podia ter algumas variantes, todas com o mesmo objetivo.
Era uma forma desonesta, porém, econômica e eficaz de propaganda pessoal, empregada para manter seus nomes sempre em evidência, seguindo a máxima de que é preciso ser visto para ser lembrado.