Um Bom Corte de Cabelo

 




Durante o horário de consultas, em uma certa manhã, uma mãe compareceu com uma menina de cinco anos de idade, visivelmente suja e mal cuidada. 
Esse quadro de negligência era lamentavelmente comum entre as famílias de pobres agricultores, residentes em locais distantes e quase esquecidos do município. Essas famílias geralmente eram proprietárias de pequenas áreas de terra, não ultrapassando meia colônia, muitas delas caracterizadas por terrenos pedregosos e de difícil cultivo, conhecidos como "terras dobradas" pelos locais, devido à topografia montanhosa e rochosa. Este era exatamente o caso da família daquela criança, residente na localidade de Guatapará, de origem polonesa, assim como a maioria dos habitantes da região, evidenciado por seu sotaque característico.
A mãe trouxe a criança ao médico devido às dores abdominais persistentes e à falta de apetite, sem mencionar a condição dos cabelos da menina.
Durante o exame físico, observamos uma criança bastante suja e desnutrida, com a barriga muito inchada, mucosas pálidas, olhos encovados e emitindo mau cheiro. Além da sujeira acumulada pelo corpo, o estado calamitoso dos longos cabelos loiros da criança chamou particularmente a atenção, completamente emaranhados e grudados, indicando falta de cuidados com o penteado há meses. No couro cabeludo, também foram identificadas algumas feridas infectadas, também emitindo odor desagradável.
O diagnóstico desse caso foi relativamente simples: verminose e anemia. Com a medicação adequada prescrita e banhos frequentes com água e sabão, a recuperação estaria garantida em pouco tempo.
Quanto ao tratamento dos cabelos, foi necessário um procedimento mais radical, envolvendo o corte completo dos longos fios e a limpeza do couro cabeludo, afetado por uma extensa dermatite seborreica, resultado da falta de higiene devida à pouca frequência de banhos.
Passados cerca de seis meses, eu já havia quase esquecido esse atendimento quando a mãe retornou ao consultório, desta vez acompanhada por duas meninas. Uma delas era a mesma que havíamos tratado anteriormente, agora visivelmente recuperada, exibindo cabelos loiros saudáveis. Ela estava radiante e bem cuidada, evidenciando uma transformação impressionante. A outra menina, um pouco mais velha, cerca de sete anos de idade, também estava em boa saúde, mas a mãe explicou que a tinha trazido com a finalidade de cortar os cabelos, seguindo o exemplo da irmã mais nova, cujos cabelos haviam crescido fortes, formando uma bela cabeleira. 
A mãe elogiou o meu trabalho anterior, referindo e comentando, com as outras pessoas que aguardavam sua vez na sala de espera para consulta, que eu "tinha boas mãos para cortar cabelos". 
Foi assim que, sem querer, pela primeira e única vez, me tornei cabeleireiro, mas levei o comentário na brincadeira, compreendendo plenamente a preocupação daquela mãe.