Memórias de Uma Festa de Capela no Interior de Barão de Cotegipe

 



Vamos Almoçar na Colônia 


O dia se revelava estável, banhado por um sol primaveril, cuja intensidade ainda não atingira seu ápice. Era o final do mês de outubro, do ano de mil novecentos e sessenta e nove. O majestoso relógio da imponente Igreja Matriz Nossa Senhora do Rosário de Barão de Cotegipe acabara de proclamar as dez horas da manhã, ecoando sua melodia pelo cenário histórico da localidade. Conforme a rotina estabelecida nos domingos, ao longo do meu inaugural ano na cidade, dei início às visitas aos pacientes internados um tanto mais cedo, visando garantir minha prontidão às dez horas. Durante os dez primeiros meses da minha residência em Cotegipe, ainda desfrutando do estado civil de solteiro, ocupava uma morada própria nas dependências do hospital. Havia locado o pequeno apartamento, localizado na parte traseira do hospital, composto por três cômodos, originalmente designado para abrigar um eventual capelão ou alguma visita esporádica. Recém-chegado e ainda sem ter feito conhecidos na cidade, o padre local se tornou meu primeiro amigo. Com ele, compartilhava algumas horas nos domingos e nas noites de quartas feiras. Padre há muitas décadas, dedicando sua vida ao serviço religioso no mesmo lugar, ele havia alcançado a distinção de cônego. Com uma vitalidade notável, mesmo já ultrapassando os sessenta anos, ele exibia uma estatura imponente e uma força que desafiava sua idade real. De ascendência polonesa, dominava o idioma com maestria, impondo sua presença na localidade desde os primórdios, muito antes de Cotegipe ser reconhecido como município. Com seus olhos vivazes e penetrantes, de um azul profundo, o cônego sempre figurou como o autêntico impulsionador da cidade. Dotado de perspicácia e diligência, o cônego desempenhou um papel crucial na realização praticamente integral das grandes melhorias locais. Ele foi o responsável direto pela construção de notáveis infraestruturas, incluindo uma usina de energia elétrica, uma majestosa igreja cujas dimensões, quando concluída, pareciam quase desproporcionais para o tamanho da cidade, um pavilhão de esportes espaçoso e bem construído anexado à igreja, o renomado Colégio Cristo Rei, que se destacou como um referencial no ensino para toda a região, e o Hospital São Vicente de Paula, ambos sob a direção dedicada das Irmãs de Caridade. Além disso, desempenhou um papel fundamental na conquista da emancipação política do que então era apenas o distrito de Floresta, desencadeando sua transformação no município de Barão de Cotegipe. Era, verdadeiramente, um líder excepcional e, como é típico dos que possuem esse perfil, angariava numerosos amigos, ao mesmo tempo em que enfrentava não poucos desafetos. Dessa forma, a cada domingo, por volta das dez horas, logo após a conclusão da última missa matinal, o cônego Polon, trajando sua batina preta característica, e acompanhado de sua inseparável caminhonete rural, passava pelo hospital para me oferecer uma carona. Juntos, dirigíamo-nos para desfrutar do almoço na festa religiosa de alguma comunidade local. Além de proporcionar-me horas alegres nos domingos, essa era também uma significativa oportunidade de ser reconhecido pela comunidade do município. A lembrança da nossa primeira participação em um desses almoços ainda permanece vívida em minha memória. O convite do padre incluía uma peculiar orientação: era indispensável levar uma faca de churrasco para a ocasião. Naquela época, era praxe que todos os homens, ao se dirigirem a uma confraternização com churrasco, portassem sua própria faca. Desconhecendo tal tradição, eu ainda não possuía uma faca própria para a ocasião. Recordo-me de ter aproveitado uma das minhas viagens semanais até Erechim, como costumeiramente fazia às quartas-feiras até o meio da tarde, para adquirir uma faca apropriada.
Atualmente, não consigo recordar o nome exato do lugar para onde nos dirigiríamos naquele domingo. Na época, eu ainda não estava familiarizado com grande parte do interior do município. No entanto, foi uma surpresa encantadora, e também um alívio significativo, ter a oportunidade de escapar por algumas horas da incessante pressão do hospital. Naquela época, meu trabalho demandava atenção constante, com plantões ininterruptos de vinte e quatro horas por dia.
À medida que nos aproximávamos, já era possível vislumbrar, ao longe, uma aglomeração de pessoas reunidas à sombra de imponentes árvores, em torno de uma modesta capela de madeira. Mais adiante, numa leve elevação do terreno, avistava-se o cemitério da pequena comunidade. Na parte inferior, nas proximidades da capela, destacava-se uma cancha de bochas, onde alguns jogadores se entretinham enquanto aguardavam a chegada do padre. Ao perceberem, de longe, a aproximação da caminhonete rural, a multidão começou a soltar fogos e a tocar o sino, anunciando não apenas a chegada do padre, mas também o início das festividades. Após as apresentações e os calorosos cumprimentos dos líderes locais aos recém-chegados, os fiéis prontamente se dirigiram à modesta capela para participar da missa. Em ordem e com os chapéus nas mãos, a congregação se acomodou prontamente nos diversos bancos de madeira disponíveis, respeitando a tradicional segregação por gênero. Os homens ocupavam os bancos à esquerda do altar, de frente para o anjo de cor azul, enquanto as mulheres, acompanhadas das crianças menores, se posicionavam à frente do anjo de cor rosa. Este peculiar costume, ainda desconhecido para mim naquela época, revelava uma tradição fascinante. A extensa missa transcorreu de maneira habitual, incluindo um sermão notavelmente prolongado, como era de praxe do cônego. O ofício religioso foi enriquecido por um coral modesto, porém afinado, conduzido por uma destemida senhora da comunidade, habilidosa tanto na regência quanto na execução de um acordeom. Antes de concluir a missa, o padre viu a oportunidade de me apresentar para toda a congregação ali reunida. Sem dúvida, era uma oportunidade valiosa para me tornar conhecido e uma significativa contribuição para a minha integração naquela cidade. Após a missa, era realizado um vasto almoço coletivo, no qual participavam praticamente todos os presentes que haviam se reunido na igreja. Tratava-se do dia festivo dedicado à padroeira da comunidade, Santa, em cuja honra a capela tinha sido construída. Este almoço consistia essencialmente em uma grandiosa churrascada, em que a carne era espetada em robustas e retas varas de árvores, sendo vendidas conforme o peso de cada porção. As famílias adquiriam seus espetos antes mesmo da missa, recebendo um cartão numerado como comprovante de compra, e o mesmo número era anotado no espeto correspondente. Essa prática agilizava as entregas quando os churrasqueiros autorizavam o início do almoço. Cada família escolhia um lugar à sombra das árvores e, reunida em grupo ao redor do espeto fincado no chão, acomodava-se na grama para desfrutar do almoço. Utilizando suas próprias facas, cada membro retirava sua porção do suculento churrasco. A carne, em sua maioria, era proveniente de doações de novilhos feitas por alguns dos moradores locais. Os rendimentos angariados durante a festa eram direcionados para as despesas relacionadas à manutenção da capela, da cancha de bochas e do cemitério sem esquecer a paróquia. Além do tradicional churrasco, o evento contava com uma profusão de outras opções culinárias, incluindo diversas carnes, massas e saladas, cuidadosamente preparadas pelas dedicadas voluntárias da comunidade. Para proporcionar o devido conforto ao venerável padre, uma mesa era meticulosamente arranjada, coberta por uma toalha branca, e circundada por algumas cadeiras. Tive a honra de ser convidado para compartilhar esse espaço ao lado do padre, do comerciante local e do casal que liderava a comunidade, residindo a meros cem metros da capela. Nessa mesa, eram servidos indubitavelmente o churrasco mais saboroso e o vinho de melhor qualidade presente na festividade. Foi nesse ambiente que estreei minha faca gaúcha, o primeiro de muitos momentos que viriam a seguir. Um detalhe que me chamou particularmente a atenção foi a quantidade excessiva de moscas que pareciam firmemente decididas de também participarem do banquete. Ágeis e incansáveis, esses insetos alados chegavam até mesmo a se intrometer em nossa boca no momento de saborear um pedaço de carne. Nunca antes eu havia testemunhado uma presença tão maciça de moscas, e o impacto da situação foi tão extraordinário que sua lembrança permanece nitidamente gravada em minha memória, mesmo após todos esses anos. Após o almoço, desencadeavam-se várias atrações preparadas para a ocasião, incluindo diversos tipos de jogos, alguns dos quais eu ainda não tinha conhecimento. Homens, alguns já animados pelo vinho e pela cerveja, se reuniam para entoar antigas canções italianas, algumas datando do período anterior à imigração. Quase toda a comunidade, inclusive as crianças mais jovens, expressava-se no "talian," a antiga e melodiosa língua vêneta brasileira, criada pelos imigrantes italianos quando chegaram ao Rio Grande do Sul. Em algumas capelas, durante o dia da festividade local, era tradição realizar um jogo de futebol, no qual a equipe da comunidade local enfrentava outra representando uma localidade vizinha e até de Erechim. Essas partidas geralmente tinham início por volta das quatro ou cinco horas da tarde, dependendo da estação do ano. Essas celebrações eram de extrema importância para aquelas pessoas. Frequentemente, essas festividades representavam o único entretenimento que tinham durante todo o ano, uma realidade especialmente evidente para as mulheres e os mais idosos. Esses eventos proporcionavam encontros entre amigas que, embora não morassem muito longe, o cotidiano ocupado dificultava suas visitas regulares. Os mais jovens, por sua vez, aproveitavam essas celebrações como oportunidade para se reunir, interagir e estabelecer novos conhecimentos.
O padre e eu permanecíamos à mesa, conversando e compartilhando ideias com os moradores até cerca das três horas da tarde, momento em que começávamos o retorno para a sede de Cotegipe. Entretanto, na comunidade, a festa persistia com animação até o anoitecer, quando todos começavam a voltar para suas casas, agora renovados, felizes e fortalecidos para enfrentar os desafios que viriam até a próxima celebração no ano seguinte.