A Vingança do Padre


A Vingança do Padre

Quando desembarquei em Barão de Cotegipe, em 30 de setembro de 1969, encontrava-me no crepúsculo da década de 1960. Naquela época, era possível absorver dezenas de narrativas que remontavam aos tempos em que o município constituía apenas um distrito de Floresta. A atmosfera estava impregnada de memórias e relatos que traçavam a evolução da localidade desde seus primórdios, proporcionando uma imersão nostálgica nas histórias que moldaram a comunidade ao longo do tempo. Desfrutava particularmente de absorver essas narrativas, especialmente quando provenientes dos moradores mais antigos da região. As histórias que remetiam aos tempos idos exerciam um encanto especial sobre mim, tornando-se as minhas preferidas. Sempre que as demandas do trabalho permitiam, eu apreciava imensamente dedicar meu tempo a ouvir os relatos dos anciãos, pois através de suas experiências era possível vislumbrar uma compreensão mais profunda dos eventos contemporâneos. Estabelecer essa conexão entre o passado e o presente por meio das vivências compartilhadas pelos mais velhos enriquecia minha perspectiva e fortalecia os laços com a rica tradição local.
Entre essas narrativas, uma história recorrente capturava minha atenção, tendo sido compartilhada por diversas pessoas, todas apresentando detalhes semelhantes. A consistência desses relatos conferia à história uma aura de veracidade incontestável, como se estivéssemos diante de um testemunho genuíno dos eventos ocorridos há muitos anos, por volta das décadas de quarenta ou cinquenta. Nessa época remota, quando Barão de Cotegipe ainda respondia pelo nome de Floresta, sendo apenas um modesto distrito de Erechim, a trama se desenrolou, criando raízes profundas na história local. Essa narrativa comum, transmitida de geração em geração, servia como um elo fascinante entre o passado distante e o presente, consolidando-se como parte indissociável da identidade histórica da região.
Segundo os relatos dos moradores mais antigos, naquela época remota, a igreja matriz existente era construída em madeira, mas já se vislumbrava a possibilidade de erguer uma nova edificação feita de tijolos e pedras. Nesse contexto, destacava-se a figura de um padre visionário, de ascendência polonesa, que mais tarde se tornaria cônego, caracterizando-se como um líder ativo e empreendedor. Ele emergiu como a verdadeira força motriz por trás do desenvolvimento local, desempenhando um papel crucial na posterior emancipação política daquele distrito de Erechim, culminando na criação do município de Barão de Cotegipe. Nesse mesmo período, esse notável padre desempenhou um papel crucial na eletrificação da cidade, liderando a construção de uma barragem e uma usina elétrica. Sob sua orientação, centenas de paroquianos uniram esforços para concretizar esse empreendimento, localizado onde hoje se encontra o município de Jacutinga. Posteriormente, o padre, visionário e incansável, assumiu a liderança direta na construção de importantes infraestruturas, incluindo a nova e majestosa igreja matriz, o colégio das irmãs e um moderno hospital. Todas essas edificações, feitas de pedra e tijolos, destacavam-se como sólidas e inovadoras para a época.
Naquelas eras, o transporte era inteiramente dependente de mulas e cavalos. As pessoas se deslocavam de suas propriedades rurais utilizando cavalos ou mulas de montaria. Famílias mais prósperas possuíam cavalos individuais para cada membro, refletindo o status e a importância atribuídos a esses animais na vida cotidiana da comunidade. 
O fluxo constante de fiéis oriundos das capelas do interior para participar das missas dominicais na igreja matriz era expressivo, e a quantidade de animais amarrados ao redor do templo também impressionava. Muitas vezes, esses fiéis vinham de localidades distantes da sede do município, dedicando horas de viagem para marcar presença nessas celebrações.
Na parte posterior da igreja, em uma área mais reservada, ainda em fase de construção e feita de madeira, encontravam-se os banheiros masculinos e femininos. Essa estrutura, em desenvolvimento, evidenciava o contínuo esforço de melhorias e expansões para atender às necessidades crescentes da comunidade.
Contudo, a falta de consideração de muitos fiéis do sexo masculino resultava em uma escolha deliberada de não utilizar os sanitários reservados para suas necessidades fisiológicas. A área posterior da igreja, infelizmente, exalava constantemente o odor de urina, e durante o verão, com o aumento das temperaturas, a situação tornava-se insuportável, com o desagradável cheiro permeando até o interior da igreja.
Apesar das inúmeras advertências proferidas pelo padre, que educadamente solicitava do púlpito o uso dos banheiros e a abstenção de urinar nas dependências da igreja, suas súplicas não eram atendidas. Infelizmente, os mesmos fiéis, demonstrando pouca educação e desafiando a autoridade do pároco, persistiam nessa prática, comprometendo a atmosfera do local de culto.
Em um dia após o sermão, do alto do púlpito da igreja, o padre, visivelmente irritado, proclamou em voz alta que tomaria as medidas apropriadas contra tais atos. No entanto, mesmo com essa advertência enfática, os meses se passaram e a prática deseducada persistia, sem mostrar sinais de cessação.
O padre, conhecido por sua bondade, era igualmente reconhecido por sua firmeza e autoridade. Ele sempre havia sido uma pessoa benevolente, mas ao mesmo tempo, possuía uma energia vigorosa e uma postura autoritária. Sua intolerância à desobediência no rebanho refletia a típica atitude de um líder acostumado a tomar decisões, mesmo que essas decisões pudessem desagradar a muitos. Diante dessa situação contínua, tornava-se evidente que o padre estava disposto a agir com determinação para preservar a dignidade e o respeito no ambiente sagrado da igreja.
Na área acima do local frequentemente desrespeitado, cuidadosamente escavaram um buraco raso, com aproximadamente um metro de largura e três metros de comprimento, atravessando a parte traseira da igreja. Enterraram uma placa de cobre e a cobriram generosamente com sal grosso, também espalhando o sal ao redor. Após recolocar toda a terra removida, saturaram o local com água. O desavisado que ali se aventurasse para urinar, com o jato de urina atingindo a placa enterrada e os pés úmidos, criaria um curto-circuito de baixa voltagem e alta amperagem. Embora não causasse perigo de morte ou danos significativos, o indivíduo desrespeitoso receberia um choque elétrico, induzindo-o a dar um considerável salto para trás.
Na manhã seguinte, ao romper do dia, o padre ativou discretamente seu dispositivo e, com serenidade, retirou-se para a canônica para os preparativos da primeira missa do dia. Após algum tempo, quando a maioria dos fiéis começava a chegar à igreja, ecoou uma estrondosa algazarra, aparentemente vinda de dois ou três homens, seguida imediatamente por vigorosas imprecações.
Um clima de perplexidade tomou conta da congregação, uma vez que ninguém compreendia o que estava ocorrendo. Esses episódios continuaram ao longo das três missas matinais, sem que o padre ou qualquer pessoa explicasse o que estava acontecendo. Dada a limitada compreensão da eletricidade pela maioria das pessoas naquela época, já que poucos tinham essa tecnologia em suas casas, levou um tempo considerável para que percebessem a natureza dos eventos. Alguns, mais impressionáveis, chegaram até a especular sobre uma possível intervenção divina, imaginando que alguma força superior estivesse agindo conforme as palavras do padre, que durante as missas expressara sua determinação em adotar medidas enérgicas para pôr fim à falta de respeito pela casa de Deus.
O medo gradualmente tomou conta daqueles que insistiam nesse comportamento desrespeitoso, e aos poucos, a igreja viu-se livre do incômodo mau cheiro que antes a afligia. O silêncio sobre a verdadeira causa da mudança criou uma aura de respeito reverencial pelo espaço sagrado, preservando assim a dignidade da casa de oração.

Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS