Os Costumes e o Linguajar dos Gaúchos

 



O que mais estranhei na minha transferência de Curitiba para Barão de Cotegipe, foram sem dúvida os os costumes e o linguajar que encontrei aqui no Rio Grande do Sul. O modo de falar dos gaúchos era muito diferente de nós curitibanos e eu ainda não conhecia. Lembro que a Curitiba daquela época, e estamos falando do ano de 1969, já tinha uma população de quase quinhentos mil habitantes e a pequena Barão Cotegipe somente uns doze mil, distribuídos em todo município, sendo que na sede eram menos de dez por cento desse total. Quando cheguei na cidade ainda fazia frio e já estávamos no fim do mês de Setembro de 1969. Chovia muito e o minuano teimava em me acordar durante as noites, quando, com força, tentava passar pelas frestas da janela do meu pequeno quarto. Encontrei uma região muito bonita, com um povo acolhedor, mas, muito atrasada em diversos aspectos. Estávamos vivendo em pleno regime militar onde os acontecimentos políticos se sucediam com bastante rapidez, mas, em Cotegipe o tempo parecia não passar. Tudo era muito silencioso, calmo e feito sem pressa, até parecia que eu estava morando em uma grande fazenda. As poucas notícias que acabavam chegando vinham com dois ou até mais dias de atraso, isso quando o jornal Correio do Povo, de Porto Alegre, o mais importante da época, conseguia ser entregue na cidade. As rádios brasileiras tinham bastante dificuldades para chegar até nós, mesmo a Guaíba. Somente à noite podiam ser melhor sintonizadas, sem aquela interferência insuportável ouvidas durante o dia. A televisão ainda iria demorar mais alguns anos para chegar nestas bandas. Mesmo a Rádio Guaíba  de Porto Alegre, era difícil de sintonizar. As emissoras de rádio mais potentes eram as argentinas e também alguma uruguaia, mas, infelizmente, com praticamente nenhuma notícia sobre o Brasil. No mês anterior a minha chegada, para regularizar meu registro junto ao Conselho de Medicina do RS, eu tinha ido pela primeira vez à Porto Alegre e a pujança daquela capital me impressionou positivamente. O movimento que encontrei lá era bem maior que em Curitiba da época. Era uma cidade muito grande, com uma população maior. A quantidade de caminhões e o número de indústrias localizadas entre Canoas e Porto Alegre, itinerário por onde passava o ônibus interestadual, também era muito grande e chamou muito a minha atenção. O município de Barão de Cotegipe foi colonizado principalmente por emigrantes europeus, especialmente italianos, poloneses e alemães. Em muito menor proporção por pessoas de inúmeras outras etnias, como russos, ucranianos, búlgaros e judeus. Cada uma delas deixou a sua marca característica, concorrendo neste caldo multiétnico, no uso e nos costumes, na fala, na cultura e na culinária local e gaúcha. Nos dois ou três primeiros meses na nova terra eu tive alguma dificuldade para compreender certas palavras e expressões usadas pelos meus clientes quando chegavam até o hospital para consulta médica. Precisei me esforçar, pois, nem sempre se podia dizer para eles que o “doutor não os estava entendendo”. As pessoas mais idosas eram na maioria descendentes de imigrantes e não falavam o português. Muitas delas eram nascidas na Europa, outros já brasileiros de primeira ou segunda gerações, mas que tinham sido alfabetizados na língua de procedência e em casa não usavam o português. Simplesmente não sabiam falar português, somente algumas palavras. Que eu não entendesse estas línguas eles até compreendiam bem e, assim, sempre se faziam acompanhar por um filho ou uma filha para servirem de tradutores durante as consultas médicas. Mas, não serem entendidos quando estavam falando o seu "português" não era admissível. A língua falada no Rio Grande do Sul era uma mistura de português, espanhol (castelhano) e inúmeras outras palavras características das etnias que ali se fixaram, sobretudo o talian, uma língua que não é um dialeto italiano, criada no meio das comunidades de imigrantes italianos nas antigas colônias da Serra Gaúcha. Como os imigrantes italianos eram majoritariamente de origem das regiões do Vêneto e Lombardia, eram as palavras de seus dialetos os que mais influenciaram no falar dos habitantes de Cotegipe. Eu, nascido em Curitiba, apesar de descendente de italianos não sabia praticamente nada da língua, mas, rapidamente fui aprendendo de tanto ouvir. Consegui também aprender bastante do polonês, o suficiente para entender um pouco melhor os meus clientes nas consultas. Muitas vezes os mais velhos até perguntavam, com indisfarçável satisfação, se eu era descendente de poloneses. Palavras corriqueiras do dia a dia eram bem diferentes do que eu conhecia. Em poucos meses aprendi rapidamente, não sem dificuldade. O uso sistemático de tomar chimarrão, de sempre receber as visitas com uma cuia nas mãos, também me deixou impressionado. Em Curitiba também o uso do chimarrão era muito difuso, mas, muito menos frequente que aqui do Rio Grande do Sul e sempre reservado somente para algumas situações, mais íntimas. A maneira de fazer o tradicional churrasco, usando somente o sal grosso como tempero, também foi uma das boas surpresas que encontrei. No Paraná e Santa Catarina a carne para o churrasco era quase sempre outro tipo de corte e ficava sempre mergulhada em uma salmoura com tempero antes de assar. Os homens descendentes de poloneses, aqueles mais velhos, a maioria imigrantes, quando vinham para uma consulta médica usavam a melhor roupa que tinham, geralmente, usavam uma camisa branca com um vistoso debrum colorido, sem gola e com uma fileira de dois ou três botões espaçados. Um terno escuro completava a "fatiota".



Dr. Luiz Carlos B. Piazzetta
Erechim RS


Nenhum comentário:

Postar um comentário